Crônicas da Cena Em busca da essência

CACO COELHO

Num período muito recente, todos, ou quase todos os países latino-americanos foram vítimas de ditaduras militares. Foi uma orquestração feita pelos Estados Unidos da América, receosos do perigo vermelho que avançava sobre Cuba e, do qual, comungavam muitos outros países. Nunca foi aceito este desejo de libertação latino. O mundo se dividia numa balança entre capitalistas e socialistas. Pouco tempo resistiu à questão ideológica, logo, o que estava em jogo, era o poder de dominação. Coube aos EUA o domínio estratégico do continente. Dessa forma, as democracias foram sendo implodidas, uma a uma, até o estabelecimento total de uma nova política que se punha a serviço de calar vozes e desejos. As ditaduras, então, praticaram, todas elas, atos horrendos. O mais cruel deles todos é a brutalidade que conterrâneos praticaram contra conterrâneos, torturando, matando e, em alguns casos, omitindo inclusive o destino dos corpos daqueles que foram assassinados. São os desaparecidos, que, diante de muitos aspectos, continuam pesando, como se fosse uma morte sem fim. Tudo o mais na vida pode ser compreendido e aceito, a morte não. Nada possui a capacidade de traduzi-la, apenas a dor. Cantar esta dor foi uma das maneiras como os nossos ancestrais indígenas suavizaram estas perdas.

 

Novidade no Porto Alegre Em Cena, a Mostra Petrobras apresenta espetáculos de companhias que são subsidiadas para que possam desenvolver suas atividades de modo contínuo. Sem este tipo de incentivo, dificilmente poderemos recuperar o valor de significação que tem o passado, permaneceremos ao dispor de atos como os que foram cometidos pelos ditadores. O Oi Nóis Aqui Traveiz apresenta viúvas, performance sobre a ausência, a partir do texto do latino-americano Ariel Dorfman. A apresentação é na Ilha do Presídio, patrimônio histórico, ambiental e cultural do Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo, completamente abandonada. A travessia do Guaíba, a sensação rente à água, o balanço imperceptível das ondas feitas pelo barco que singra o rio em destino à ilha, acelera o mergulho em reminiscências. Abre as comportas daquilo que, muitas das vezes, está recalcado, gravado bem fundo. A performance da atriz Tânia Faria, diante daquelas dez celas – que prenderam e torturaram contemporâneos nossos – querido Carlos Teixeira de Ré, que partiu – vai buscar lá dentro, na essência mais profunda a revelação do ser.

Deixe um comentário